domingo, 1 de abril de 2012

A Mulher Que Anda.


Toda mulher chora, fala, se cala, sorri, dança e canta, mas nada se compara a mulher que anda. Que me perdoem as multifacetadas, mas o andar é fundamental, quase imprescindível. Não se pode dizer nada de uma mulher que não anda como uma mulher. Há que ter graça no andar, como uma gazela, como se dançasse, como uma “mulher” de verdade. Não basta ser apenas linda ou gostosa. Os adjetivos da mulher que anda estão além disso, muito além. Nem toda mulher muito linda sabe andar, mas toda mulher que sabe, normalmente é lindíssima em tudo, inclusive e principalmente na personalidade. Seu andar é seu segredo. Não fosse pelo andar ela seria uma cantora de funk, meio homem, meio mulher.

Em quase cinquenta anos só pude “vislumbrar” quatro mulheres que andam, e dessas, só duas pessoalmente. Mas vou relaciona-las por ordem de importância e elegância: Luana, esposa de meu velho e bom amigo Welson. Pensa num homem de sorte! E ela idem. Tão queridos amigos que não sei se tenho mais ciúme dele com ela ou dela com ele. Em segundo está a “mulher que anda”, falo dela em seguida, se coragem me restar. Depois vem a exuberância de Ingrid Bergman que se eternizou em Casablanca e Jacqueline Kennedy Onassis que perturba meus sonhos mal sonhados sempre que a libido interfere nos mesmos.

Se engana o homem que procura outra coisa numa mulher. De que vale uma bunda linda que não sabe andar! A mulher que anda tem todas as qualidades, títulos e atributos que uma mulher precisa ter. Basta olhar direito. Shoppings são ótimos lugares pra saber do que estou falando. Você não vai encontrar uma mulher que anda em autoestradas ou dentro de um cinema. Se você olhar uma mulher, mesmo de costas, e numa primeira impressão ela lhe pareceu lindíssima, não faça nada ainda, espere que ela ande. A paciência é uma dádiva. Aliás, a mulher que anda odeia homens apressados, espalhafatosos e imediatistas.

Tudo bem, seus cabelos são tão assim, seu corpo, seu olhar, mas espere, ela está parada ainda. Espere ela dar pelo menos dois passos, e dai você decide. Dois passos bastam pra que você identifique a mulher que anda. Ela não tem pressa, é como se a vida andasse nos seus passos. A impressão que se tem é que ela ensaia cada passo. Por isso são lentos, serenos, calmos, como se pisasse em ovos, ou em você. Sim, por que acredite - o andar de uma mulher muito machuca um homem.

Se depois disso tudo você tiver a sorte de “identificar” a mulher que anda, e se com mais sorte ainda ela o olhar com o canto do olhar, então reaja. Lembre-se da ação e reação. Mulheres assim se encarregam da ação, elas são sabedoras do que querem e você tem apenas que esperar. Esperar, isso mesmo, espere que ela o olhe de novo e então seja reciproco e ela se encarregará do resto. Nunca aborde uma mulher que anda, elas estão muito além disso.

Se engana também a mulher que não sabe andar ou que não de valor a isso. De nada valem Botox mil, grifes, ser resolvida, descolada, se a coisa principal não sair do jeito que deve ser. O andar feminino está relacionado a personalidade da mulher, ao seu jeito de ser.  A sua voluptuosidade, sua embriagues libidinosa (no bom sentido), seu charme e sua feminilidade, tudo isso está escrito nos passos da mulher que anda. A linha tênue que há entre a vulgaridade e a elegância da mulher muito bonita, é quebrada pelos passos da mulher que anda. A felicidade do homem, de qualquer homem, está na mulher que anda.

Bom, depois de Luana, Bergman e Jacqueline, há “a mulher que anda”, da qual prometi que comentaria em seguida. Dizem que só se ama uma vez na vida e que se esse amor for impossível é porque era amor de verdade, segundo Arnaldo Jabor. Segundo ele, não se vive o amor verdadeiro, senão deixa de ser amor. Eu não sei ainda o que habita em meu peito, como se alguém soubesse! Claro, há lembranças mil de um “amor” desfeito, mas a lembrança mais viva são os passos da mulher que anda, como que me seguindo. Acho que é porque eu ando, e em cada passo há partes da coreografia que aprendi andando com a mulher que anda. Me vejo deixando o carro propositadamente pra andar um pouco mais, como se andar fosse uma forma de, talvez, reencontra-la, parada num shopping, de costas, me vendo com o canto do olhar. 

terça-feira, 27 de março de 2012

Aluga-se. Tratar Com o Proprietário.

Aquele não era definitivamente o ano para Mário. Em janeiro dera fim no seu terceiro casamento, e com ele, dois filhos que ainda careciam de pensão. Há muitas formas de se acabar com um casamento, mas a de Mário foi surreal e com doses excessivas de improviso. Sábado de manhã, ele e a mulher lavando o carro como todo fim de semana. De repente ela acha dentro do carro um fio de cabelo enorme, preto, obviamente feminino e que com certeza não seria dela. E depois de dez anos de casamento, com o fio de cabelo na mão, sem pestanejar ela diz a Mário num tom meio rude, meio sem pensar, meio afirmação, meio interrogação:

- Você vai embora agora!

Ele, também sem pensar, mas menos rude, como se aquilo um alivio fosse, não responde e não questiona. Entra em casa, pega um par de sapatos, a carteira, e de short mesmo entra no carro, dá a partida e some. Do retrovisor pode ver, pela terceira vez, sua última chance de, talvez, ser feliz de fato. A partir daquele momento não se casaria novamente. Foi grotesco, penoso e inesquecível ver sua ex-mulher ali, em pé, agora com o filho caçula a sua volta, com a mangueira ainda jorrando água, como que se despedindo, como que chorando, como que sozinha. Um gosto amargo de silêncio descia pela garganta enquanto ele procurava o que todo homem deseja nesses momentos: o primeiro bar aberto, onde pudesse enfim estar só.

Dormiu em hotéis naquela semana e quando o pouco do dinheiro minguou, foi morar com um amigo. Um daqueles com mais problemas que ele. André, amigo de infância, não deixaria o amigo sozinho e o ajudava no que pudesse. Não fosse a incompatível índole de André, as coisas teriam sido mais fáceis. Ficou com André apenas trinta dias. Para não usar a droga do amigo, se especializou numa coisa que ele chamava de “ócio permanente criativo” que consistia em encher o tanque do carro, chegar num desses trevos qualquer e apontar com o dedo com os olhos fechados qual destino tomar. Seguia a vagava pela cidade e por cidades que ele ainda não conhecia.  Houve épocas em que o carro só parava por pura falta de combustível, e se noite fosse, ali seria seu dormitório. Mas isso teve um fim. Quando a grana acabou de verdade, quando a terceira parcela do financiamento do carro venceu e quando não havia mais emprego e nem o que fazer, ele viu uma coisa que lhe chamou a atenção. Numa dessas casas antigas, num bairro distante, numa cidade qualquer, a placa de “aluga-se, tratar com o proprietário”.

O problema como todos sabem não é você alugar um imóvel, e sim alugar de uma imobiliária por causa da burocracia, e aquela placa seria sua salvação. Parou o carro, bateu palmas e venho uma senhora, dona Ana. Ela tinha um olhar doce, confiante, amigável e parecia que conhecia Mário a anos. Isso foi um alivio e um aval ao mesmo tempo. Ela morava na frente numa casa antiga de madeira e o imóvel a ser alugado era o dos fundos. Uma construção tipo edícula, com cozinha, quarto e banheiro. Entraram, ele viu o imóvel e apesar da sujeira e da impressão de abandono que o imóvel tinha, fecharam negocio. Pagou a ela o aluguel adiantado, pegou as chaves, entrou, tomou um banho e disse a ela que ia sair, comprar umas coisas para limpeza e buscar roupas. Ela disse que saia muito, ia a casa de filhos e que só estaria em casa em fins de semana, mas que se ele precisasse de alguma coisa era só ligar. Ela deu a ele o número de seu celular, ele o inseriu na agenda, “kitnet dona Ana”, e se despediram.

As coisas começaram a melhorar, pensou ele. Naquela semana recuperou parte da empresa que tinha deixado pra ex e viu os filhos menores. Pode ir com eles a shoppings e comprar presentes. No fim de semana dona Ana apareceu e perguntou se estava tudo certo. Ela, dessa vez estava acompanhada com uma das filha mais novas. Apresentou a Mário, e se foram rapidamente.

Os dias se passaram e as coisas voltaram a normalidade. Ele começara a fazer amizades com vizinhos, mas só com ois e olás com as mãos enquanto entrava e saia da garagem, mas nunca se aproximou de vizinho algum. Mário sempre fora muito reservado com relação a isso. Mantinha uma vida intima reservada, afinal era uma nova vida e não podia perder tempo em ficar falando com vizinhos. Ele só se incomodava com a questão de alguns o ficar olhando por horas. Ele aparecia no quarteirão e percebia que as janelas se abriam e só se fechavam quando ele guardava o carro. Mas isso não o incomodava de verdade. As pessoas são assim e vivem pra falar da vida alheia.

O primeiro mês de vencimento coincidiu com um fim de semana e ele pode pagar o aluguel pessoalmente. Ele disse que não precisava de recibo pois aquela relação foi iniciada na base de confiança e assim seria, e dona Ana concordou pois como ela dizia, tinha “senhor Mário como persona mui buena”. Naquele sábado ele estava muito cansado e almoçou num restaurante. Chegou em casa por volta das três da tarde e quando entrou pode ouvir dona Ana conversando com a filha, dessa vez, a mais velha. Falavam coisas desconexas quando aumentavam a voz (meio que de propósito) e quando diminuíam parecia mais claro e objetivo para Mário.

- Temos que ajudar uns aos outros filha querida. Não tenha medo.

Mário ouviu essas e muito mais coisas e se deitou. Tinha acabado de almoçar, estava com sono e estranhamente a presença de dona Ana o trazia a sensação de que estava tudo bem, e realmente as coisas estavam melhorando. Lembrou-se de quando era criança, quando fingia que dormia e podia ouvir as conversas de sua mãe com o pai. Aquilo o tranquilizava e a sensação de paz e segurança o fazia adormecer. Dormiu como uma criança naquele sábado.

Quando acordar, pensou ele, devo me aproximar mais um pouco delas, puxar assunto, essas coisas. Ao acordar elas já tinham ido, mas deixaram um bilhete embaixo da porta de bom fim de semana. O sentimento de solidão pela primeira vez o invadiu desde a separação. Ele estava meio que se apegando a presença daquela senhora. Seu olhar o penetrava deixando-o em estado de profunda paz.

Os dias se passaram e no vencimento do segundo mês dona Ana não apareceu. Ele ligou no número deixado e ninguém atendia. Isso não o preocupou de princípio, quem sabe ela apareceria no outro fim de semana. O aluguel precisava ser pago. Outro sábado chegou e dona Ana nada. Dessa vez, ele pode sentir, havia alguma coisa errada. Foi olhar pelo buraco da fechadura e pode constatar que, estranhamente, não havia móvel algum no interior da pequena casa. Mais estranho ainda foi o fato de ver que na fechadura da porta principal havia, ao invés de fechaduras normais com chaves, haviam aqueles ripões com pregos de todos os lados, a porta estava selada, e teias de aranha cobriam a fechadura. Chaves não abririam aquela porta.

Mário ficou por muito tempo no portão, esperando talvez, que ela viesse de algum lugar. Mas dessa vez o que o incomodava mesmo, era o fato de muitos vizinhos estarem a espreita. Aquilo já estava passando dos limites. Resolveu sair, voltou tarde e enquanto pegava no sono podia ouvir muito vagamente a conversa de dona Ana com uma de suas filhas. Levantou-se rapidamente, acendeu a luz, mas era só ilusão. Estava tudo às escuras e um silêncio abissal reinava nas duas casas.

No domingo pela manha ele não resistiu, foi falar com um vizinho, aquele que o fitava a mais tempo. Talvez eles soubessem de alguma coisa. Não foi preciso chamar o vizinho, era só ir ao encontro dele, como se ele já o esperasse a tempos. Bom dia, disse Mário. Desculpe o incomodo, mas o senhor conhece dona Ana? Como sabe moro aqui a uns dois meses e ela não aparece a duas semanas.

O vizinho parecia que tinha visto um extraterrestre, seu cabelo se arrepiou e ele ficou totalmente desconsertado e andando pra trás, chamou a esposa. Filha, disse ele, esse vizinho que todo mundo está comentando diz que não fala com dona Ana a duas semanas. A vizinha só não desmaiou porque, segundo ela, já sabia o que estava acontecendo. Ela pegou Mário pelas mãos e disse numa voz branda como se soletrasse cada palavra “essa casa está abandonada moço, dona Ana faleceu já fazem mais de 10 anos”.

quarta-feira, 21 de março de 2012

MSN - Mediocridade a Serviço do Nada.


Acho que está pra nascer a pessoa que, já na cama, deitada e em sã consciência, não se levanta e vai ver quem está chamando no MSN, depois de ouvir aquele barulho característico quando alguém escreve alguma coisa. A atitude é tão mecânica como a que acontece com o celular. Já vi pessoas saindo do banho, correndo e sem se importar com o que derruba pela frente só pra atender ou celular ou MSN. Não há cena mais engraçada e grotesca. A pessoa simplesmente se esquece de que se você não está ali presente, o que é digitado não some, o que significa que você pode ver a qualquer momento. E o mesmo acontece com o celular, desde a época jurássica ele já vinha com o Bina onde a chamada é identificada e você pode ou não retornar pra pessoa que te ligou. Mas as pessoas não aceitam isso, ou não entendem, ou simplesmente ignoram. Há algo de muito doido  nisso tudo. Mas quanto ao celular já foi dito muita coisa, quero me entreter num inimigo da mesma proporção: O MSN. Minha filha Camila diz que quando MSN o chama nessas horas, ela faz como rádio velho – nem liga. E ela está certa. Se todos fizessem o mesmo não teríamos tantas guerras, tantos desencontros e mal entendidos. Casamentos já foram destruídos por causa de MSN.

O homem não aprendeu ainda a se comunicar pessoalmente, como pode querer se entender através de um negócio que envia apenas palavras! E há pessoas que tentam enviar mais que palavras. Uns emitem até sons, coraçãozinhos, porradas, chingamentos  e até declarações de amor, como diz meu amigo Luciano, especialista em “pescar” como diz ele, namoradas por MSN. Outro dia eu estava conversando com um amigo no MSN e a coisa ficou engraçada então, do nada ele escreveu algo do tipo: kkkkkk. Daí eu disse o que é isso, e ele, tô rindo pô, isso é uma risada. Desde então adotei tal medida, e não é que funciona! Mas outro dia, eu, no inicio de outra conversa com uma possível namorada usei tal ferramenta e ela escreveu (risos). Foi daí que ri mais ainda. Como alguém pode escrever (risos) numa conversa! Isso ficou como aqueles documentários mal feitos. Imagina a cena, toda uma plateia rindo e o cara escreve embaixo (risos),  como se ninguém soubesse o que é aquilo.

Luciano me diz que outro dia estava conversando com uma “a vista”, se referindo a uma pessoa que acabou de conhecer – mulher – claro. E o papo ia muito bem quando do nada, e é sempre assim em MSN, aparece chamando-lhe um amigo-cliente-padre. Ele se viu perdido e não podia deixar de falar com a “a vista”, tampouco deixar o padre falando sozinho. Resultado: fala-se com os dois ao mesmo tempo. E o telefone toca e ele, alô, o MSN da mina chama e ele, oi amor, o padre chama e ele, sim senhor. Dá pra imaginar o fim disso né. Do nada ele escreve pro padre:
- Sua gostosa, de hoje você não passa. Vou te mostrar o meu pirata de um olho só.
Segundo ele foram meses pra arrumar essa situação, não com a menina, com o padre. Mas ainda não abandonou o MSN.

Há pessoas que pensam que a internet é tão somente MSN. Assim como há os que pensam que notebook não é computador. Cansei de ouvir frases do tipo “em casa tenho um computador e um notebook”. A definição de internet tornou-se, pro leigo, sinônimo de MSN. Ele nem imagina que há agregado ao MSN um e-mail, aliás, ele não sabe o que é um e-mail. Acho natural pra um leigo pensar assim e respeito isso, até porque ele não é obrigado a saber sobre tudo, o que não dá é pra conviver com aquelas frases que deixam on-line e que, se você olhar mais atentamente, mesmo não sendo psicólogo, dá pra se ter uma ideia da personalidade do individuo. É meio natural você se deparar com umas do tipo “não me chame, ocupadíssimo”. Sem comentários. Mas há piores. Há os que dizem o que estão fazendo, tipo “almoçando”, “fui lavar o carro”, “dormindo”. Legal mesmo é os que dizem o que estão sentindo, “cansadíssima”, “muito feliz”, “hoje tô uma pilha” e por ai vai. Acredite, há na internet sites que disponibilizam frases prontas pra que você copie e cole no seu MSN. Legal porque você não precisa nem pensar mais. Depois de me debruçar sobre o assunto, descobri que isso acontece porque a pessoa (meio anta meio pessoa) “adota” o MSN como seu interlocutor permanente. As vezes ele nem atende ao telefone, ele viciou no negócio, você liga e ele te diz “vamos falando por MSN”.

Tem um amigo citado acima, o Luciano, que dia sim dia não ele vem até nosso escritório e faz de lá uma lan-house. Só pra abrir uns e-mails, diz ele. Mas que nada. Ele fica no mínimo 4 horas no MSN e apenas no MSN. Nada contra, mas é que nesse período ele nem café toma. Ele não responde se você o chama e creio que se o escritório pegar fogo ele se queima. É como uma droga. Você chega perto do cara, ela tá olhando pro MSN, mas incrivelmente não esta falando com ninguém. Fica apenas na espera de que alguém entre e o chame. Ele não abre a boca, não pisca e não olha pros lados, as vezes da a impressão de que também não respira.  A tempos não via a paranoia no seu mais puro estado.

O engraçado e paradoxal de tudo isso, é que as pessoas que mais ficam em MSN são as que menos entendem do mesmo. Desconhecem as funcionalidades e utilidades realmente práticas que o MSN possui. Há ferramentas nele que permite por exemplo que você de um nome, que você identifique um endereço de e-mail pra que você saiba pelo menos o nome do dono do mesmo. Ou ainda há a possibilidade de você falar com duas, três ou mais pessoas ao mesmo tempo, como numa conferência. Você pode excluir pessoas da qual não quer mais falar ou incluir novas e/ou ainda alterar status das mesmas. Em ferramentas há a possibilidade de você gravar todas as conversas organizadas e atualizadas diariamente. Ferramenta muito útil pra empresas que vendem ou negociam produtos pela internet. Ou você pode ainda clicar em “sair” definitivamente do MSN e pegar o bom e velho telefone e chamar a pessoa. As pessoas agem como se no MSN não houvesse a opção de “sair”. Uma vez dentro dele, sempre nele.

Outra coisa doida é o sujeito, normalmente sem algum QI, te questionar sobre “poxa mas você me excluiu”. O cara te adiciona ou vice-versa, mas vocês jamais falaram uma única palavra a não ser a de bem vindo quando se conheceram. E ele fica puto pelo fato de você o excluir. Não há coisa mais chata além da existência do próprio MSN do que você ter uma dúzia de pessoas adicionadas sem jamais ter falado com as mesmas. Melhor excluir, mas cuidado ao fazê-lo. Já vi brigas feias por isso. Até onde vai a carência afetiva misturada com o não ter o que fazer e um pouco de ignorância!

O MSN é muito legal e tem uma importância significativa pra pessoas portadoras de deficiência física, não psicológica. Mas infelizmente os menos dotados psicologicamente são os que mais fazem uso do mesmo. Pro surdo-mudo é uma excelente ferramenta. O cara “normal” usa-o ou por carência afetiva, ou medo ou ainda por falta de coragem mesmo. Há pessoas que, pelo medo da inferioridade, talvez, preferem o uso do MSN, não tem coragem suficiente pra uma conversa tipo olho-no-olho. O MSN é uma fuga. E como em toda fuga, normalmente as conversas não chegam a lugar algum.


Claro que estou generalizando e citando fatos onde o MSN é usado erradamente e de uma forma desnecessária. Seu uso tem sido muito eficaz no mundo dos negócios, onde as conversas se resumem em sims e nãos. Conversas essas que demoram apenas o tempo necessário para que se pegue o telefone do cliente e entre contato em seguida. Falar sobre sua vida por MSN é que é o pé no saco. E acreditem, há pessoas que fazem isso deliberadamente. Pior, há as que preferem ficar conversando por toda uma eternidade a ter com você pessoalmente. Foi oque aconteceu com uma amiga a pouco tempo. Nos desentendemos feio. Estávamos no meio de uma conversa e eu já não aguentava mais aquilo. De repente  digitei o caps-lock sem perceber e as letras foram em maiúsculo pra ela. Foi o fim do mundo, pra ela, claro. Pra mim foi um alivio. Alias quero adotar essa técnica quando não quiser prolongar muito o papo. Digita-se o caps-lock e o outro pensa que você está desrespeitando-o, gritando com ele. Aquilo é apenas uma tecla e você pode dizer coisas amenas como bom dia ou como vai e a pessoa entende como se você estivesse gritando com ela. Quanta baboseira há em MSN. Alias o que significa mesmo MSN? No google está descrito como “Microsoft Service Network” mas bem que poderia ser “A Mediocridade a Serviço do Nada”.

Uma ferramenta que falta no MSN, e aqui vai uma dica pro pessoal da Microsoft, é a de correção ortográfica automática. Devia ter um trem que corrigisse as palavras antes que fossem enviadas. As vezes eu não sei se me atento mais com o conteúdo das mensagens ou com os crassos erros de ortografia. Mas o que ganha no quesito incomodo mesmo é a tal da falta de simancol. É você estar trabalhando e vem lá não sei quem e solta um “oi”. Você responde e até ai tudo bem até que ele não se contenta e diz “ocupado?”, e você diz (não querendo ser grosso), sim, mas pode dizer ai. Era a hora dele simancar e dizer poxa desculpa ai, depois falamos, abraço. Mas não, em MSN isso não acontece. Depois de graves minutos a pessoa não se contenta e diz “poxa, não quer falar comigo”. Dai não tem como manter mais o protocolo. Somos de carne e osso e, eu não sei com relação a você, mas já sim, confesso, mandei alguns a merda. Talvez por isso meus contatos de MSN hoje se resumem em uma dúzia no máximo.

Verdade seja dita: O MSN não é nada disso do que está descrito acima, trata-se sim de uma excelente ferramenta, se bem usada. O homem é que não evoluiu. Passaram-se milhões de anos e não fizemos nada de novo a não ser descer das árvores. Há tecnologias para os mais variados seguimentos e em todas as áreas, mas continuamos pensando, pelo menos os que conseguem pensar, como nossos ancestrais. Não sabemos tirar proveito benéfico do que fizemos tecnologicamente falando. O mesmo aconteceu com aquela bomba no Japão. O mal uso de MSNs, Celulares e Controle Remoto de Televisões e tantas outras invenções dessa década estão a matar lentamente mais e mais pessoas. A pequenez espiritual e intelectual do homem de hoje tem tornado sua vida medíocre. Ele vive numa roda viva onde não sabe onde está, tampouco onde chegará, e muito cá entre nós, ele já não quer saber. Ele (e meu amigo Luciano não está nessa lista) já não raciocina e a noção das coisas foi-se a tempos, daí a necessidade de celulares e MSNs pra que se possa falar e falar, e escrever e escrever, mesmo sem sabê-lo.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Mais Uma Curta de Amor.

Me pediram pra que eu fizesse uma crônica curta, com no máximo sei lá quantas palavras. Pior, que fosse sobre o amor. Eu me sentiria melhor e faria resumos fáceis se o assunto fosse algo como a camada de ozônio, de onde viemos ou pra onde vamos. Acho que eu até poderia escrever em duas ou três linhas, mas sobre o amor! É complicadíssimo, pra não dizer desafiador.

Desafiador e revelador. Descobri, depois dessa incumbência que gosto muito de escrever, só não sei escrever. E que no amor acontece a mesma coisa. Quantas coisas escrevi que de nada valeram e quantos amores vivi que não chegaram a lugar algum. Não há um masoquista aqui e nem eu me arrependo de amores mal vividos. Só estou surpreso com um fato novo que ainda não tinha percebido.

Eu devia ter esperado mais, ouvido mais, sentido mais. Coloco vírgulas desnecessárias e mudo de assunto rapidamente e as vezes o texto se perde e fica muito longo. Assim como quando amava, amava demais; e isso desgasta, enclausura e consome. Isso de resumir sobre o amor é de muito mau gosto por parte da editora, mas me sinto grato pela descoberta e ainda tenho umas cinquenta palavras.

Não tem como falar de amor sem que haja uma história, um enredo pra que se inicie a contá-lo. Por ter que economizar palavras, aqui só vou poder lembra-lo. Lembrar-se de um amor, isso mesmo! Uma lembrança não demora mais que alguns segundos, você se recorda de tudo num piscar de olhos. Há o resumo de uma história de amor na lembrança de um olhar, daqueles que quando você fecha os olhos, não tem vontade de abri-lo. Tão curta e breve é a vida, como um grande amor, como esse texto, como um olh..

quinta-feira, 8 de março de 2012

Sobre Homens e Muletas.

Há tempos difíceis que, em alguns homens nascem asas.
Outros compram muletas e não andam mais.
Mark Twain.
Maringá, Paraná, véspera de Natal de 1993. Dezoito horas da tarde, um Dodge Polara marrom com o vidro do passageiro traseiro quebrado, estaciona a frente de um mercadinho. Dentro do carro, Magno, Max, Guilherme e Marcão. Todos decididos a não chegar em casa, não naquela véspera de natal, com as mãos vazias. O motivo da parada foi pra uma breve reflexão, esta que ficaria um pouco mais a beira de uma solução se fosse feita perto de um mercado, segundo Max. O que estava por vir seria uma operação que, segundo o mesmo, sempre dera certo, arriscadíssima, mas se empenhada com a máxima originalidade e desempenho, era tiro-e-queda: Comprar alguma coisa sem um real no bolso, pior, num local onde nunca te viram antes.

E continuavam ali, parados, pensando e esperando por um milagre, talvez algo como: O gerente do banco, vestido de Jesus Cristo, chega, abre a porta do carro e entrega a cada um uns deis mil reais, um talão de cheques com especial, alguns cartões de créditos. Ou ainda o dono da mercearia, vendo o desalento dentro do carro, chamar a todos e dizer: Porque vocês não entram, escolhem o que querem, a gente marca pra vocês pagarem depois, aproveitam e levem algum dinheiro pro ano novo. Podem voltar quando quiserem.

A tensão aumentava à medida que os minutos idem. Tinha que ser feito algo rápido, a noite caíra, e com ela quase todas as esperanças. Não tinham mais nenhuma “folha” daqueles cheques que, vez por outra, pegavam emprestado na praça com o seu Joaquim. Joaquim era um deficiente físico que vivia disso naquele ano. Esse não era o nome dele de fato. Ninguém nunca soube o verdadeiro. Ele se gabava disso dizendo que a profissão exigia tal segredo. Você sempre encontrava ele na praça, mas nunca o via. Ele te achava, você chegava na praça e do nada, ele aparecia. Guilherme brincava dizendo que ele era o Copperfield do mercado informal de investimentos. Você só precisava estar no lugar certo (a praça) e ele sabia quem você era e o que queria, e encostava disfarçadamente do seu lado como uma espécie de santo que baixa, com aquela cara mansa e olhar ameaçador, mas resolvia as coisas.

Os caras: Magno tinha perdido o carro no mesmo ano pra uma seguradora. Era um amador ainda na arte dos negócios, mas desde já mantinha a postura de um líder, e de uma forma bem pacifica a turma até gostava que ele desse a última palavra. As coisas que ele arranjava sempre davam certo. Pra se ter uma idéia, a única coisa que aquela turma tinha de bom e em comum naquele ano, além do fato de estarem duros, era o de morarem num edifício que Magno acabara de “comprar”. E de andarem no mesmo Dodginho, de Max.

Marcão acabara de fechar uma “empresa” que tinha com sua mulher em Campo Mourão. Guilherme só estava o arco da tanga, investira todo seu dinheiro comprando e vendendo erradamente celulares que aquele ano tinham acabado de chegar no brasil. Max mal acabara de sair do primeiro casamento, entra em outro que já vem com um filho, e acabara de confeccionar mais dois, fóra uma filha do ex-casamento e agora um adotivo que a atual trouxera. Negócios? Nem pensar. Max sempre fora um markequeiro de primeira, sabia como ninguém ganhar dinheiro, mas no quesito gastar, era melhor ainda. E isso por sí só bastava pra que fizesse parte daquela trupe. Mas a verdade é que as coisas iam de mal a pior pra todos naquele ano.

E eles continuavam ali, pensando. Ninguém, não que eu saiba, tinha gosto pra armas e nem tendências pra esse tipo de estratégia. Mas Marcão, apesar do medo, bem que pensou nessa remota possibilidade. Guilherme, pra desbaratinar um pouco, acendeu um cigarro, atravessou a rua e foi pra dentro da mercearia. Só pra “passar um pano” segundo ele, como se fosse especialista no assunto. Max continuava parado. Pensando que já não havia outra possibilidade, a não ser a que ele mais temia. Não tinha jeito. Era tudo ou nada. Já se passara meia hora ali parados e qualquer outra coisa podia acontecer, sei lá, alguém desconfiar, chamar a policia. Aí meu amigo, o fim de ano seria realmente o caos.

Guilherme demorou uns 10 minutos, voltou, entrou no carro e esbravejou.
- Êêêêitaporra, pessoal. Agora fudeu! Ta lá dentro o dono do negócio, a mulher do dono do negócio, o genro do filho do dono do negócio, o mercado está cheio de gente e ainda acho que tem um cara lá que me conhece. Um credor, eu acho. (Guilherme era finíssimo nas palavras). Apagando o cigarro e jogando pra fora do carro conforme um “pedido” de Magno, ele agora dispara. Em alto e bom tom pra que todo o quarteirão ouvisse.

- Max, se tiveres que fazer algo, vá hômi! A gente fica aqui no dodginho, orando pra te dar uma força.
Marcão tremia e temia que algo desse errado e que iriam todos presos, com dodginho e tudo, visto que nem a copia do documento do coitado existira mais. Ele se encolhia no carro parecendo uma criança e balbuciava umas coisas negativas que ninguém dava ouvidos, quase sempre interrompidas pelos gritos de Guilherme.
- Cala a boca Marcos. Deixa a gente pensar porra!

Na verdade não havia mais nada a ser pensado. A única coisa que todos ali pensavam era em algo pra ser comido. E enquanto Guilherme e Marcão discutiam, era nisso que Magno e Max pensavam com mais afinco. Afinal todos ali tinham filhos dentro de casa e pra complicar; Final de ano.

Magno tinha, sempre teve, excelente trato com as pessoas e um poder de persuasão raramente visto em outro que eu conheça. Mas não tinha o tino, alma ou sei lá o nome que dão a isso pra chegar lá e simplesmente dizer: Olha, sabe o que é; eu e meus amigos ali estamos sem dinheiro e precisamos comprar umas coisas pra pagar depois. Ele até que pensou, mas não era o mundo de Magno. Estrategista que era; sabia dos riscos da operação e sabia também que se algo desse errado, comprometeria todos seus colegas. Ele estava além disso. Tempos mais tarde viria a realizar feitos que faziam este parecer um grão de areia. Mas naquele dia, paradoxalmente, também dependia dessa operação.

E a discussão continua...
- Guilherme, vamos deixar Max e Magno aqui, pegar um ônibus e comprar um cheque com o Francisco! Aí a gente volta e operamos, eu e você, se der certo né.
- Vai cagar rodando Marco!!! Deixe de ser down e cala essa boca.
E eles discutiam, e as horas passavam. E, mesmo sem nenhum deles nunca ter entrado naquele estabelecimento, Max decidiu. Eram seis e quarenta da tarde.

Ouve um silencio abissal dentro do carro por um instante, quando Max disse:
- To indo pessoal. Vamos entrar para a história, brincou ele.
- Força velho! Disse Guigui com olho no olho.

Esse “força velho” funcionava como um código, uma força de verdade que uns davam aos outros em situações como esta. Ninguém o usava inadequadamente. Longe de ser um bando de verdade, igualavam-se em muito a velha Cosa Nostra ou aos Corleones da Cicília que também adotavam códigos, palavras, olhares e outras coisas que eram usadas apenas pelos da “família”. Meia palavra ou um simples olhar bastava pra que se soubesse o que estava acontecendo. Filosofava-se menos e agia-se mais. E isso, de certa forma os unia, principalmente em momentos como este. Jamais se fazia algo que não fosse por todos, e dividido por todos. Depois desse evento e com o crescimento natural do clã, foram inseridos outros códigos como “não sei se eu digo” ou “pois não” ou ainda o velho “só um burro não toma castanhoto”. Max, talvez pela sua aversão ao terrorismo e bom humor a flor da pele, foi o grande inspirador da maioria desses códigos, imediatamente aceitos e usados até hoje.

Max olhou pra todos e para todos os lados, enxugou o rosto, colocou o palitó e abriu a porta. Fazia um barulho enorme o tenso movimento das pessoas e carros naquele final de tarde e caia uma chuvinha bem fina de verão. Quando colocou os dois pés pra fora, esguio-se como se fosse preparar para uma olimpíada ou partir num ônibus espacial. Desligou o celular e colocou-o na orelha fingindo estar falando com alguém. Atravessou a rua como se fosse um Lorde, falando, esperando educadamente os carros passarem e gesticulando e falando e falando. Dentro do carro não se ouvia nada, a não ser os suspiros de lamento e uma prenuncia de “ai-meu-deus” de Marcão.

Primeiro ele fez um reconhecimento da área. Era uma dessas meio-mercearias e meio-mercado onde todos se conhecem, onde se tem de tudo e as pessoas vão pegando as coisas, organizam uma pequena fila e pagam suas compras com cartão, dinheiro, e pra felicidade total da nação e de Max... Com umas fichinhas que ele ainda não sabia como funcionava. Mas de uma coisa sabia, era o bom e velho fiado.

Nesse momento, ele faz um sinal pra turma do outro lado da rua com um OK deste tamanho pra acalmar os maus ânimos. O dodginho todo se mexe tamanha foi à euforia dentro do coitado, que naquele momento também deve ter festejado. Marcão já podia sorrir e Guilherme já fazia planos para o ano novo. Guigui, como era chamado queria chester, apesar de ainda não saber a diferença entre este e o frango. Magno, no banco da frente do carro, analisava tudo, como um bom ombudsman e futuro homem de negócios, teria que estar pronto pra entrar em ação numa eventualidade.

Depois de analisada a situação, era a hora do vamos-ver. Max começou a passar a impressão de que era de casa, cumprimentando as pessoas e a de que não estava com pressa. Aumentou então o volume de seu ouvido e começou a ouvir nomes. Dona Josefa, seu Raimundo, Ana e etc.
- Há, boa noite doutor Antonio. Tenha um Bom natal.
- Pra senhora também dona Carmem. Não sei como à senhora consegue trabalhar num dia como este. Se eu precisar de novo, eu ligo e a senhora manda entregar, ok.

Pronto. Era com dona Carmem que Max precisava gladiar. Então ele começou a compra propriamente dita. Pensou em Guilherme e pegou dois chesters e alguns frangos pra que ele visse a diferença. Magno merecia suas picanhas e alcatras. Não havia naquele grupo ninguém que apreciasse mais carnes que ele. Ainda hoje é assim. Marcão foi presenteado com várias iguarias, coca-colas, alguns sorvetes e aqueles guaranás-calmentes que ele adora. Juntamente com ene tipo de carnes, é claro. Max pegou um pouco de tudo. O fato é que as coisas se misturaram e só pode ser dividido mesmo quando se chegasse em casa. Agora o importante era passar com tudo isso num caixa que nunca te viu, e com literalmente zero no bolso. Passaram-se trinta longos minutos. A tensão dentro do carro aumentara, tamanha era a calma de Max. Marcos já se dava por vencido.
- Prenderam ele lá dentro, não é possível.

Chegou sua vez na fila. Apesar de não fumar maconha, Max podia ver através da lente embaçada de seus óculos a doce face de Carmem com uma leve aureola na cabeça e um lindo lago azul onde moravam passarinhos e reinara a paz eterna. Anjos tocavam harpas e palavras como “nãos”, “não te conheço” ou “vou chamar a policia” não existiam. Ele apostava que ela usava sandálias e com o canto do olhar pode notar que havia um cajado encostado no balcão. A impressão de que estava negociando com uma santa foi o que lhe motivou a continuar com a coisa. Dentro do carro apenas os dois mais confiantes respiravam. O administrador e o que havia lhe dado a Força. Marcão? Esquece.

- Mais alguma coisa? Perguntou dona Carmem. Seu afeto, pensou ele.
A conta tinha dado exatos Seiscentos e Cinqüenta e Dois Reais. E tinha mais três pessoas na fila atrás dele. A primeira coisa que lhe veio – e acredite – aquilo foi de improviso, foi a de que tinha esquecido a carteira no carro. E funcionou.
- Dona Carmen, por favor, deixa essas pessoas passarem na fila, que vou no carro buscar a carteira e volto em segundos, ok.
- Claro Sr. Max, afinal é final de ano.
Ela o chamou pelo nome, e isso era “macuco-no-borná”.
E lá se foi meu amigo, atravessando a rua com a calmaria de uma Madre Tereza, e com as mãos abanando, para o desespero dos que ainda estavam vivos dentro do carro.
- Fudeu de vez! Exclamou Marcos

Ele não demorou mais que uns três segundos pra pegar a carteira. Dizem que nesse momento sua pele e sua voz eram brandas como a de uma santo de verdade, igual a Moisés quando desce do monte depois de ter falado com Deus. Marcão chegou a descer do carro e pensou em sair correndo avenida a fora. Guilherme pediu pra que não se esquecesse do seu chester e Magno ficou calado. Sabia que tal ato fazia parte do enredo, frente à calmaria do amigo. Max fez meia-volta, atravessou a rua e chegou ao caixa. Parecia um Hemphed Bougard em Casablanca. Desta vez sem filas no caixa, apenas ele, dona Carmem, suas compras em cima do balcão, algumas coisas espalhadas pelo chão, incluindo uma vassoura que pouco antes confundira com um cajado. Algumas pessoas ainda faziam suas compras as pressas, o lugar estava quase fechando. Aí um santo baixou no cara, não é possível.

- Dona Carmem. Olha só! Por uma fatalidade, esqueci minha carteira e todos os documentos na casa de minha filha, onde estamos passando o final de ano. Minha filha mora longe, mas moro aqui do lado, todos os dias minha esposa vem aqui e posso buscar um talão de cheques. As compras podem ficar aqui, se a senhora quiser.
- Bom, creio que não há necessidade. Podemos “anotar” na conta de sua esposa. Como ela se chama?

Era a peleja do diabo na terra de meu Deus. Do dodginho dava pra ver uma pequena nuvem de fumaça escura pairando sobre aquele lugar. Max não tinha mais tempo, tinha que haver um nome, e um bom nome, sua vida dependia disso, e depois de tanto tempo, até sua reputação frente aos colegas. Ele tenta de todo jeito lembrar de algum que ouvira no tempo que esteve dentro daquela merda, mas seus amigos embaralharam tudo com aquelas ene perguntas. Mas ele não lembra, e arrisca um, não tinha outro jeito, e com um sorriso monalistico, ele declara:
- A Ana. Minha esposa é a Ana. Anota aí que ela é de pagar toda semana, senão eu fico puto!

Dona Carmem procura num dos fichários que tem na sua frente e não acha nenhuma com o nome de Ana. Era o fim. Ele chegou a pensar na possibilidade de pedir ao açougueiro uma faca pra um eventual suicídio, mas resolveu fazer um check-up da situação. Talvez dona Carmem tivesse o mal de Parkinson, Alwsheimer, quem sabe? Talvez se esquecesse das coisas. Talvez o amasse tanto que não estava nem aí pra nenhum nome, pensou. Aí, ele arriscou aquilo que seria sua última e derradeira chance. Mais tarde isso ficou conhecido como o “não sei se eu digo”.

- Dona Carmem. Olha só. Sei que é natal e que as famílias tem que estar em harmonia, mas devo confessar, proibi minha senhora de manter quaisquer carteirinhas de anotações de fiado em qualquer lugar que fosse. Sendo assim, obriguei a mesma a pagar as contas antes do vencimento. Talvez seja por isso que a ficha dela não se encontra neste fichário.
Era o fim do mundo. Mas ela conhecia uma Ana. E todas a galáxias, todo o cosmo e sistemas solares contribuíram pra que ela não ligasse pra essa bendita.
- É seu Max, o senhor tem razão.
E o universo contribuiu de fato.
- Apenas assine aqui pra que eu mostre ao pessoal da manhã e que entregue a dona Ana.
- Muito obrigado, a senhora foi muito gentil. Tenha um feliz natal e um...

Do ponto de vista técnico a operação foi um fracasso. Se tivessem ensaiado aquilo, não teria dado certo nunca. O fato é que as coisas foram acontecendo e acabou no que deu. Nada mais simples, óbvio e que não teria a menor chance de acontecer de novo. O que contou pontos foram os quesitos coragem e necessidade. Tudo bem, podemos incrementar um pouco de cara-de-pau. Não ouve técnica, ensaios ou enredos. Houve sim, um “pulo no abismo” que de vez em quando alguns membros dessa turma até hoje o faz quando recebem de um amigo o “força velho”. A bem da verdade as coisas naquela época ainda eram meio testadas. Hoje essa turma opera dentro de estatais, em aviões particulares e conglomerados internacionais. Mas isso é uma outra historia. Mais tarde eles pagariam dona Carmem.

Max pegou suas coisas e saiu com os passos mais lentos do que quando entrou. Já o coração.. Aprendeu isso vendo Al Pacino em O Poderoso Chefão. Fez questão de fazer igual ao ídolo, jogando a arma do crime (a caneta) na calçada. Teve que pedir ajuda a Guilherme pra carregar as sacolas, que veio com um sorriso deste tamanho. Marcos estava desmaiado. O clima de tensão era enorme e Marcos retomou sua consciência e começou a revirar as sacolas. Magno, percebendo o nervosismo estampado na cara de Max, profetizou em off.
- Liga não meu velho! Em bem pouco tempo estaremos rindo dessa situação.
Mal o carro sai do lugar rumo a festa do outro lado do bairro e a cidade toda pôde ouvir o grito estridente, agudo e glorioso de Guilherme no celular com sua esposa:
- Êêêêitaporra!!! Minha filha. Vamos comer chester!

Eu, o Veríssimo e o BBB.

Eu, apesar de admirar o intelecto de Veríssimo e ser leitor contumaz de tudo que escreve, acho que nessa historia de BBB ele está errado, ou equivocado, já que se trata de um poeta, e dos bons. Não que eu veja BBB ou qualquer outro programa de televisão, seja ele qual for. Não acredito que você precisa comer bosta para saber que o gosto não é lá muito salutar. Cada povo tem o governo que merece. Isso, o BBB, nada mais é do que o resultado de atitudes de um povo sem nenhuma cultura, a culpa não é da rede globo. Isso é como politica meu amigo, se você estive lá ia fazer a mesma coisa. Se você mostrar documentários e programas educativos na televisão brasileira, quem vai ver? Nosso povo, desde os primórdios não foram educados pra isso. O povo gosta mesmo é de merda, assim como foi no inicio. Ou você não se lembra de como foi “inventada” nossa pátria amada!  Assim como libidinosos e devassos gostam que urinem em suas caras, o povo brasileiro gosta que lhe joguem merda. Quanto mais merda melhor. O povo gosta mesmo é de novelas, de notícias sobre famosos, de Latino, de Eliana, de Domingo Legal, de Faustão, de Adriana Galisteu, de Ratinho, de BBB e de Datena. Quanto mais merda lhe jogarem na cara, melhor. É o apogeu a libidinagem, a falcatrua e a total falta de bom senso.

Veja o que acontece no governo e você vai entender o que quero dizer, ninguém está ai pra absolutamente nada. E como a rede globo não é besta, põe no ar deliberadamente programas como esses. E estão certíssimos, os resultados do Ibope provam isso. Concordo, Bial é um cara superinteligente e escreveu várias crônicas sobre várias coisas, mas quem leu? Ninguém, e nem vão ler. Ninguém nem imagina que ele escreve coisa alguma. O povo quer é vídeo, quer ver, ouvir e assistir. Pensar!? Nem pensar. Isso é mais ou menos assim: se você não quer fazer comida em casa, vá a uma lanchonete, se não quer pensar, ligue a TV. Se o povo pensar ele não vota em governos, ela não anda pelas ruas, ele não trabalha, vira o caos. Mas temos medo de caos, de revolução, temos medo de qualquer coisa que nos tire dessa mesmice deliciosa e delirante que é ficar em frente a uma TV comendo pipoca.

Da mesma forma que governos permitem que existam drogas em cadeias para que o sistema funcione, ele permite, legaliza e banaliza o conteúdo da televisão pra que o povo durma. Se não houvesse drogas nas cadeias não haveria cadeias, do mesmo modo que se não houvesse TV não poderia haver governo corrupto. Isso é um ópio, o povo tem que estar dormindo. E a televisão foi idealizada com esse intuito, a de fazer o povo não pensar. Como você pode pensar por conta própria se está na frente de uma caixa?

E já que essa caixa faz com você o que ela bem entende, os caras que mandam na caixa mandam em você em todos os sentidos, muito simples. O sujeito bate no peito e diz que é livre. Quanta ignorância há nesse pensamento. Um homem livre é aquele que tem senso crítico, o que pensa por conta própria, o que se questiona. Como você pode pensar se você vive na frente de uma caixa quadrada que lhe dita modas, costumes, dogmas e conceitos!  Você nem sequer dorme se ela estiver desligada. Você não é mais você, você não pensa por você, você se tornou escravo da caixa, você é a caixa e vive como a caixa. Você come, bebe, faz, se veste, pensa, e vai onde a caixa lhe mandar. Isso é comparado à religião islâmica e de tantas outras, onde os caras se matam por causa de alá. Daqui uns dias se qualquer cara do BBB ou um personagem de novelas ou mesmo Faustão lhe disser que você precisa pular de alguns prédios porque é moda, eu não me surpreenderia com os resultados.

Um parêntesis: Outro dia presenciei uma cena hilária, tinha que estar com a câmera. Parei numa dessas panificadoras onde também servem refeições e fiquei no balcão tomando um trem. Na posição que eu estava dava pra ter uma visão de todos que entravam, saiam e que ali se alimentavam no restaurante. Numa das paredes principais do restaurante, uma Tela de sei lá quantas polegadas, só sei que o bicho era grande e cabeludo. Até ai, nada de anormal, o fato é que ela estava ligada, e pior, passando novela, pior ainda, pessoas assistindo. Lembro-me de uma época em que saiamos de casa pra nos distrair, conversar e fugir do marasmo. Hoje o sujeito vai ao restaurante e come assistindo a televisão. Se o garçom traz merda ele come. Ninguém pronuncia uma única palavra, a não ser: aumenta um pouco o volume, por favor. Chegam em silêncio e saem calados. Todos, sem exceção estavam jantando e olhando avidamente a televisão. Homens, mulheres e crianças, famílias inteiras, e até um cachorro olhando diretamente pra tevê, comendo alguma coisa, claro. Com um zoom mais próximo pude perceber que algumas pessoas erravam a boca ao tentar comer, posto que seus olhos estavam em outra direção. Num dado momento, percebi que também o garçom, disfarçadamente e às vezes, parava e olhava por instantes pra aquela caixa de merda.

Por isso a existência de programas como o BBB, eles são imprescindíveis. A televisão manda você votar numa Dilma da qual você nunca viu antes, apareceu do nada, e mesmo assim você assiste a comícios, discute sobre o assunto, briga pela mesma, enfrenta filas e vota na infeliz. Não passa pela sua cabeça questionar sobre o fato de vivermos numa pseudodemocracia e perguntar (Porra, de onde apareceu essa Dilma?), não, você não pergunta isso, alias você nada pergunta e nada questiona, você é um robô. A televisão lhe mandou votar na Dilma e mesmo você não sabendo nada sobre isso você vota e já elvis.

Mas você faz coisas piores do que a televisão lhe manda, você apenas não sabe disso.E esse é o objetivo da caixa, manter você totalmente débil, anestesiado, quieto e dócil como um bebê. E não é só o BBB que faz sucesso, isso não é monopólio deles. Há os que acreditam que programas como o de Detena é jornalístico, e que o mesmo é jornalista. É uma besta falando a milhões de outras. Outro dia eu estava tomando umas num butiquim e comentaram numa roda que cidadão foi assaltar um banco e que deu um tiro no próprio pé. Eu disse que não tinha visto isso. Dai um sujeito me disse porra, mas logo você que trabalha com internet não está ligado nesses fatos, e acrescentou ele: isso saiu em rede nacional. Rede nacional pra ele é sair em noticiários como o de Datena e Jornal Nacional. Isso é estar antenado pra esse retrógrado abestalhado ululante.

O conteúdo da televisão faz com que o sujeito acorde cedo, bata um cartão com seus horários de labuta, chegue no butiquim a tarde pra tomar umas (antes das novelas, claro) e comente o que ele viu ontem no Datena. E pior, isso faz dele o maioral, qualquer pessoa fora desse contexto ou é vagabundo ou está louco ou é bandido. A vida dele, o mundinho dele se resume a isso apenas. Bial está certo Veríssimo, infelizmente. Não se pode falar de uma coisa da qual você sabe que não vão entender. Isso é até falta de educação. Eu, outro dia vivi essa experiência no mesmo butiquim do retrógrado. Comecei a comentar com um amigo sobre coisas de internet, da camada de ozônio, de onde viemos e pra onde vamos, essas coisas. Quase fui morto e degolado, chegou um camarada e disse com o dedo em riste e em alto e bom tom o que já era esperado: porra, vocês estão me tirando rapaz! Vamos falar de futebol, de coisas que sabemos, coisas que entendemos. Ou seja, da vida dos outros ou de preferencia, novelas, Datena e BBB. 

Antes do fim, não do texto, do poço, quero fazer aqui outro parêntesis apocalíptico: Chegará um dia em que em programas de Faustão e em outros haverá jogos como os que fazíamos quando garotos aos 12 anos. A prova da ejaculação a distancia. Isso mesmo, o camarada (um herói, como diz Bial) se masturba e na ejaculação ele tem que caprichar pra que o esguicho  atinja a maior distancia possível. Quem ejacular mais longe leva o prêmio, e tudo isso ao vivo, claro. Porque como diz Faustão, quem faz melhor faz ao vivo, qualquer merda assim. Não preciso aguçar a imaginação do amigo para pensar como seria a logística e as circunstancias de provas como essas. Você já pode imaginar.. você na sua casa, com sua família, pais, avós, mães e cachorros (como hoje) e um programa desses no ar. Na verdade e infelizmente, não estamos muito longe disso. BBB já ultrapassa isso em algumas cenas. Se hoje não podemos assistir, segundo Veríssimo, o BBB junto de crianças, não se preocupe, a coisa pode piorar em breve.

A televisão, essa fábrica de imbecis, já conseguiu o que tanto almejava e nisso Veríssimo tem razão: Fez com que chegássemos ao fundo do poço. Nada mais há pra ser criado além da banalidade, da vulgaridade e da promiscuidade. Qualquer zé mané que chegue e coloque qualquer palavrão em qualquer batida e chama isso de musica, logo isso vira hit e parada de sucesso em todas as rádios, programas de televisão e internet. Palavrões como: (vai se fu.. desculpe, tenho vergonha de dizer) ou ainda (ops, essa também não posso), são passado e fora de moda. Mas a televisão adora isso. O governo adora isso. O sistema adora isso. O povo então nem se fala. Artista de verdade daqui pra frente vai ser aquele que criar algo tipo com palavrão novo entende, e de preferencia com uma letra que diga a mesma coisa sempre e com a mesma batida idem, claro. Senão tem que pensar, daí fica difícil. Lembro-me de Chico e Caetano indo embora por causa da ditadura em suas letras maravilhosas e vejo as letras que colocam nas melodias de hoje e, como dizia Zé Geraldo em “Cidadão”, da vontade de beber. Mas acho que até pra isso eu preciso, ou me adaptar no butiquim que frequento ou procurar outros, em outros continentes, claro.