quinta-feira, 8 de março de 2012

O Celular. Tenho, logo Existo.


Domingo, oito da manha. Acordo com alguém tentando arrombar a porta.
- Ô meu velho, entra aí.
Era meu amigo Eduardo, atônito, depois de varar a madrugada no bar do Cleber, em ene pés sujos e tomar metade da produção do malte da escócia (é que agora ele não bebe cerveja. Faz mal, diz ele) desaba no sofá sem esperar que a porta seja aberta.
- Que foi carinha, tá tudo bem?
É que ele não estava realmente nada bem, o cara tava todo suado, sujo, malcheiroso, com fome e ainda por cima havia perdido documentos, chaves da casa, cartão e sei lá mais o que.
- Ô velho, desculpa aí, porra, perdi minhas coisas, chaves de casa e será que eu podia...
- Claro pô, fica aí, dorme aqui porra.
Enquanto fui buscar uma água e retornei é que enfim, presenciei o total desalento do meu amigo. Ele estava agora chorando como uma criança, as mãos na cabeça e o cotovelo entre as pernas, mal dava pra entender o que ele tentava falar, ele grunhia, balbuciava, e chorava, e chorava. Aí eu disse.
- Bom meu velho, o fato é que agora o mais importante é que você durma, amanha a gente conversa e acha suas coisas, ok.
Quando eu estou voltando do quarto com travesseiros e mantas, encontro ele de novo, totalmente desolado, desamparado. Só aí comecei a me tocar de que a coisa não era apenas de uma simples bebedeira, mas de alguma coisa muito mais séria, algo que mudaria nossas vidas.
- O que foi cara? Conta aí.
Foi então que ele, num esforço inimaginável, começa a murmurar algo como “et, casa”, uma frase que termina num berro, e continua gritando com os olhos arregalados, como se fosse a ultima coisa a ser dita nesse mundo cruel. Nem Pavarotti faria igual. Parecia uma hiena com asma.
- Gerson do céu, me socorre, aconteceu uma coisa horrível!
Mas ele não consegue falar, o homem estava se indo desse mundo. Toma mais uma água, dança o ula, abre uma skol, outro vinho, acende outro cigarro, e tenta mais uma vez. Saiu uma voz-berro que lembrava uma mistura de Rod Stuart com falta de ar, Perla e Louis Armstrong envenenado.
- Me-me ajuda cara! Eu não posso vi-viver com isso! Valame-deus-nossa-senhora! Puta-que-pariu!, perdi meu celular! Não pó-posso imaginar ele nas mãos de outros. E agora cara? Me  ajudaaa!!!

Parece surreal, mas essa tragicomédia aconteceu de fato. Serviu de pano de fundo para um texto que desde que o celular foi inventado eu queria esboçar. É que depois de tantas merdas que eu tenho visto esta outra merda causar na cabeça e no hábito das pessoas, tomei coragem para tal incumbência. Essa que é, segundo a mídia (a segunda maior invenção do mundo moderno), dizem que a Internet fica em primeiro, anda causando nas pessoas algo muito parecido, e sem nenhum exagero, com a que causou a invenção da roda ou da luz elétrica. A merda não está no impacto da invenção em si, ou na sua real necessidade, a qual dou o maior valor, mas sim no quesito babaquice, e aí meu amigo, ela ganha de dez a zero em qualquer luz, roda, internet ou ainda a da rabada com coentro. Babaquice? Acredite – tem gente que finge estar falando nesta merda apenas com o intuito de chamar a atenção. E aí está o pulo do gato desta maquiavélica maquina – ela completa as pessoas. Como uma droga. Ela passa a idéia de que não estamos sozinhos, e que alguém, de alguma forma vai ligar a qualquer momento dizendo coisas lindas, trazendo bons ventos, ou ainda, nem que seja pra ouvir aquela imbecil e sem propósito pergunta: Onde você está? E o pior - mesmo que a voz do outro lado não pergunte, você, mesmo não dizendo, vai sentir no fundo uma certa necessidade de dizer onde estás. É o celular.

É a síndrome do século. Não é o frango com gripe ou a vaca com febre, nem a aids, muito menos as músicas do Latino que nos afundarão, mas o celular. O celular é o que nos levará ao inferno, ao fim, e ao mesmo tempo nos salvará. Nos sentimos salvo com ele na mão, no bolso, mesmo desligado, quebrado ou sem créditos. E ainda tem uns babacas que andam com esta porra pendurado no pescoço ou ainda numas caixinhas que vendem nos camelôs.
- É a capinha, num ôrna? Diz os baianos.
- É pra não ralá, senão risca.
Não haverá, não nesse milênio nada parecido como a invenção dessa peste. O que acontecerá será uma revolução com os aparatos que o acompanharão como: Acho que em menos de um ano aparecerão os com gostos. É, sabores. Acabou os créditos, coma. Abacaxi, melão, como os sorvetes. Em 2 anos eles devem vir com rachas e picas. Os sexishopps vão se foder. Os homo vão adorar. A merda vai ser na hora da compra. Vai ser algo como é hoje com os com câmera.
- Ah, vê esse com pinto mesmo. A gente nunca usa, mas vai que precisa né!
Em 3 anos eles devem vir com asas.

Conheço um imbecil que toda vez que o celular toca, ela sai em disparada. Me lembra “carruagens de fogo”. Acho que ele pensa que eu como a mulher dele e está me investigando ou
ele come a minha e está testando minhas “reações”. Não há outra explicação plausível. Imagina a cena: Restaurante com umas duas ou três mesas no máximo, musiquinha ambiente, conversa afinada entre três caras que se conhecem á anos. De repente o celular dele toca. Ele não espera o segundo toque. Sem dar a mínima pro desenrolar da conversa e ao menos se lembrar que existe a velha e boa (com licença), ele saí literalmente correndo para o poste mais próximo ou qualquer outro lugar que o esconda e que possa falar com o espião do outro lado com mais tranqüilidade sem que ninguém ouça, mesmo que no caminho derrube algumas mesas e cadeiras. Às vezes me pego pensando que a velha gestapo ainda exista, ou ainda a falada falange da luz vermelha que exterminava pessoas ao léu. Penso, as vezes que estou numa grande conspiração, onde as pessoas me espiam o tempo todo. Do contrário, o que estariam falando que eu não pudesse ouvir?  Comecei a perceber que não é só esse imbecil que faz essas coisas.
Concordo que há conversas que não podem ser ouvidas. Pra essas valem o “te ligo depois” ou ainda o “com licença senhores, é muito importante”. Mas nada disso acontece. É como se ele se gabasse de que tem alguém ligando pra ele. E a coisa piora quando é um chefe ou coisa parecida.
- Estão ligando pra mim...êêê, pra você não...ôôô!!
E aí o cara esquece tudo, literalmente. Depois de inúmeras pesquisas realizadas ao redor do mundo por laboratórios renomadíssimos, chegou-se a conclusão de que quando isso acontece, o conteúdo da conversa desse individuo é proporcional à quantidade de neurônios que esta besta tem em sua linda cabecinha. E pra retornar a conversa anterior então. Demora o mesmo que um 286 levava pra ser ligado em sua época. O cara não lembra nem onde está amigo. Vai lembrar de conversa anterior!
Percebo agora, anos depois dessa maldita invenção que há um paradoxo nesse falar-sozinho e falar-acompanhado. Eu explico: se você esta acompanhado, o fone do cara toca e ele sai pra falar sozinho. Se você esta sozinho, o fone do cara toca e ele vem ao seu encontro. É, já aconteceu comigo. O cara vem falando no celular, te comprimenta, senta-se, toma uma cerveja, duas, continua falando e sai. Eu morro e não vejo tudo! Não acredita? Basta você ir num desses botequins ou lojas de conveniências, que verás com seus próprios olhos que a terra há de comer. A cena é hilária. Vários mauricinhos fazendo uma roda enorme, seja em pé, ou sentado na... Deixa pra lá, ou ainda numa mesa falando em seus devidos celulares. Quem não está falando é careta, como na época da maconha, ou é antiquado. Ou seja, conversa, nem pensar. Eles ficam torcendo pra que aquela porra toque. Conheço um cara que, contrata outras pessoas pra fazer ligações a esmo nessas horas pra fazer bonito. E dizem que dá uma grana, sabia! Estão chamando isso de “relações públicas”.

Isso sem contar os que os levam celulares em festas e até em lugares mais silenciosos, como nos bailes funk. Juro que compraria um cd da Tati Quebra Barraco, e ouviria, se alguém lá de cima pudesse me explicar o que esse imbecil houve e fala e gesticula e retruca numa festa como esta. E mais ainda. Pra quem diabos ele liga com tamanha urgência e determinação!

Foi-se o tempo em que você ter carro importado, roupas de grife e andar com jóias era sinal de status e glamour. Hoje quem manda é o celular. A um tempo atrás a moral ia pra quem tinha o menor. Uma operadora inventou um tão pequeno que o cara pra ligar tinha que andar com um palito de dentes no bolso. Mas tudo bem, ele andava. Valia a pena, afinal era pequeníssimo, e isso era o que importava. Mas como a tecnologia tem que se adaptar como a natureza, a moda acabou não pegando porque ninguém via o aparelho, então tinha-se a impressão de o cara era doido por estar falando sozinho. Era o fim dos menores.

Hoje, conta pontos os aparelhos que tem mais funções. Os que tiram fotos também já eram. Até porque demorou pra perceber o óbvio – celular é celular, e maquina fotográfica é outra coisa – sem contar a resolução de uma dessas fotos. Mas o importante era ter. Ou estou totalmente fora da nova ordem mundial ou me respondam pelamordedeus! Há algum ser humano que tenha feito um álbum todo com essas fotos de celulares? Bom, o fato é que hoje conta muito ponto sim funções, praticidade, custo beneficio e tantas outra coisas. Mas não adianta. No final, mesmo daqui a cinqüenta anos, quando eles vierem com um teletransportador embutido, a única coisa que você vai poder fazer de fato é ligar e receber chamadas.

Conheço um amigo, o Ermitão, que tem cinco aparelhos. Quando está com a namorada ele usa um modelo com um chip da operadora A. Quando ele está na empresa usa um modelo mais modesto com outro chip, que é apenas para ligações da empresa. Quando está dando o cu, ele usa o da casa do caralho e assim por diante. Ou seja, ele tem uns cinco ou seis números diferentes. Resultado: Eu nunca na minha vida, desde a existência dessa merda consegui ligar pra esse amigo, a não ser quando ele me liga, apenas pra perguntar onde estou e normalmente de um número que eu nunca tenho. Fico me perguntando se devo tomar mais Diazepan ou se minha maconha estava estragada. Porque simplesmente não entendo o que leva um indivíduo normal a cometer tal ugruria. Lembra do Rambo? Pois é assim que ele se parece quando sai na rua com todos aqueles aparelhos.

Tentei parar uma vez, mas hoje uso um por obrigação, a empresa necessita que eu a use. Perco um a cada sessenta dias. Sou perecível com esta porra, me incomoda, me tira a privacidade, me acorda, me aprisiona. Tenho saudade das duas caixinhas de fósforo ligadas por um barbante. Vou mudar para o Gardenal.

Tenho outro amigo, o Rangel. É que esse eu posso pronunciar seu nome verdadeiro, visto que esta peculiaridade que o mesmo tem com o celular se tornou tão constante que o andam chamando de “Rangel tarente”. Como o pseudônimo mesmo diz – vai ser carente assim na puta que pariu. Às vezes ele quer apenas te dizer bom dia, ou como vão as coisas. Mas se na primeira chamada que você não o atende, ele volta a te ligar no mesmo momento em que a ligação cai, umas, sem exagero, vinte vezes.  Já não falo com ele á uns trinta dias. Ele deve ter ficado puto comigo, acho que porque tive que lhe dizer a verdade sobre o mau uso dos celulares. É que tem gente que não gosta disso né. Ele, o tarente era um cara normal. Casado á anos, apaixonadíssimo pela esposa, engenheiro de primeira, filhos, apartamento na barra, carros. Tudo certo. Por conta de umas questões paralelas ele começou a enfrentar uns problemas de grana. Problemas esses que geraram outros como negociar cheques, prazo, colegagem e por fim, ligações. A coisa ia bem antes de cortarem seu telefone fixo. Depois que passou a usar o celular pra resolver suas picas, fudeu! A coisa foi de mal a pior.

Resumindo, hoje perdeu tudo que tinha. Anda vagando, maltrapilho, pelas praias da Barra, acompanhado de um cachorro, e é claro, do seu celular. Quem olha de longe aposta que quem atende e faz as ligações é o cachorro. Tá de dar dó. De longe só se vê osso. Tentei ajudá-lo uma só vez, depois desisti. Fui cair na besteira de perguntar se eu podia, sei lá, fazer qualquer coisa pra não vê-lo naquela situação. Saí correndo praia afora quando a reposta dele foi a de que queria trocar de aparelho.
- Um desses que tira foto. Disse ele, sorrindo com aquele bocão deste tamanho e deixando pairar no ar um hálito que, pelo embaçamento provocado em meus óculos, não via escova de dente a semanas.

E quer saber, depois de tantas analises, estudos, teses, celulares jogados na parede e coisa e tal, me arrisco a dizer que não fosse pelo mau uso do maldito celular, meu amigo tinha recuperado sua família, emprego, seu brio, e as coisas seriam muito diferentes. Moral da historia: Se você me liga e por acaso não atender. Lembre-se que inventaram uma porra que deram o nome de Bina. E o Bina, imbecil, é o que faz com que todas as chamadas perdidas, não atendidas ou o caralho, fiquem gravadas no meu aparelho. Difícil de entender que só existem duas opções?
1-Eu não quero falar com você.
2-Eu não podia falar naquele momento.
Puta que pariu! Acho que o cara que inventar aulas de celular vai ganhar uma grana. Como as escolas de datilografia e de informática á bem pouco tempo atrás. Imagina.. Pra adquirir o modelo tal, você teria que enfrentar umas três ou quatro semanas de aulas teóricas e praticas assim como fazem hoje com os motoristas. Passar por provas, pagar uma grana e receber certificado com vencimento e o caralho. Assim, se você me ligasse perguntando o velho e bom “Onde você está?”, eu poderia dentro da lei te mandar a merda ou, se fosse o caso, mover uma ação contra sua pessoa. Como é que já se viu! Não saber usar um celular! Tirou carteira aonde?

Acho que foi Caetano Veloso que um dia desses disse que “é muito engraçado ver as pessoas na rua andando e falando em seus celulares”. To empenhado nesse assunto há algum tempo, mas só agora percebo o quanto há de ridículo e engraçado nessa coisa. Me pego a pensar em como éramos antes desta besteira existir. Simplesmente íamos pra casa ou pro escritório ou pra onde fosse e só então falávamos em algum telefone. Ouvíamos musica no caminho, paquerávamos mais, visitávamos floriculturas, andávamos mais lentamente, e ate dava pra inventar alguma coisa pra chegar atrasado. Ate nossa respiração era melhor. Hoje colocamos grades em nossas próprias casas com os celulares. Dormimos com ele ligado. Do contrario, do que vale tê-lo? E é bem verdade. Não saímos mais sem celulares, seja numa viagem ou pra tomar uma no botequim da esquina. Vamos a cinema, shopping, supermercados, seja onde for, lá está ele. Tem cara casado que leva celular pra sair com a amante. Estranhíssimo.

Conheci uma garota há um tempo atrás, a Alcinéia. Ela tinha dois. E eles, ela e os celulares,  tinham uma peculiaridade. Cada um deles tocava em horários alternados. Nunca vi aquilo. Mais ou menos assim:

Telefone A chamando, e ela.
- Aha... entendi... sim... não... ta...
Meia hora depois, telefone B chama, e ela.
- Ta... não... sim... entendi... aha...

Meia hora depois o A, e assim por diante. Bom, como se era de esperar esqueci por algum tempo essa particularidade com a moça no celular e resolvi partir pra cima (do celular não, dela). Precisa contar? Amigo, foi a maior e mais angustiante brochada que tive em toda minha vida. É que a coisa toda, todo o mizancênio tinha que ser feito em no mínimo meia hora. E você como bom hétero, sabe que as coisas não são bem assim, tem que ter todo aquele hora-veja e tal. O fato é que demorei. Pra gozar não, pra chegar lá. ELE tocou nela antes do que eu. O maldito e macabro celular. Juro que se tivesse armado tinha acabado com os dois num só tiro. Nessa altura eu já devia estar com no mínimo um metro e meio de pica. E o pior, que eu já esperava. Ela quis parar tudo pra atender.
- Não, não. Pára, pára. Só um minuto amor, deixa eu atender!
Atender e dizer aqueles benditos sins, nãos e o caralho, porque ela na verdade nunca falou foi nada alem disso naqueles aparelhos, não na minha frente. Ah, mas quando ela voltou eu descontei. Imagina um eunuco-impotente com dor de cabeça e cansado. Fiz igual rádio velho: nem liguei. Assim era eu naquela noite. Um grande nada. Confesso que já tive outras, mas aquela foi uma, como digamos, brochada de sucesso, que não me abalou como macho. Mesmo tendo aquela merda daquele tamanhinho entre as pernas.

Moral. Tudo bem de ir ao botequim e levar seu celular, mas não em todo lugar.

A historia dessa moça me lembra uma cena que aconteceu há uns dias atrás com meu amigo lá de cima. O eremita. Olha só a cena: A gente estava em três, tirando umas coisas de dentro do carro. Eu com minhas duas pastas numa mão e as chaves em outra. Ela, outra amiga do condomínio com algumas coisas que ela havia comprado num shopping, todas as mãos ocupadas. Ele, o eremita, com outras sacolas minhas, as duas mãos ocupadas, era umas coisas que eu havia comprado no mercado no dia anterior e só hoje tinha tempo pra tirar do carro. Telefone celular dele toca. Adivinha?
O cara simplesmente deixou cair todas as sacolas na tentativa frustrada de colocar a mão no bolso e tirar o celular para atendê-lo, como se sua vida dependesse disso. Mas foi ele jogar minhas sacolas no chão e o bicho parou de chamar. Ele tava esperando a ligação de alguém como Deus, sei lá. Talvez uma pessoa que havia sido seqüestrada há anos e ele, só agora, descobrira que estava ainda viva, sua mãe, talvez. Qualquer coisa assim. Eu não me contentava com a idéia de que poderia ser apenas mais uma ligação comum. Quando o maldito tocou, o cara se transformou. Seus gestos pareciam uma mistura de “o ultimo tango em paris“ com Genival Lacerda, e as pálpebras dele deram uma leve engrossada. Imagina um cachorro tentando morder o rabo! Pois é. Só sei que perdi os ovos daquela compra. Meu salame ninguém sabe onde foi parar, talvez no c... Deixa pra lá. Tinha calabresa espalhada por toda a garagem. Troco, moedas, sacolas rasgadas, a porra toda. E não termina por aí. Ele, não se dando por satisfeito, nos convenceu a esperar por mais umas 200 horas ate que ligasse pra pessoa que o havia chamado e que por uma infelicidade ele não pode atender. Quer saber o conteúdo da conversa? Desculpe, essa é uma outra historia. Tava pensando em apresentar esse amigo a Alcinéia.

Meu maior desalento ainda está por vir. Descobri, depois de noites em claro que a peste maior ainda não está no aparelho de celular, propriamente dito. Eu explico: Tive uma secretária á um tempo atrás e acho que se ela estivesse em trabalho de parto e o telefone tocasse, ela manda médico, marido e o rebento a merda e avança com a velocidade de uma acrobata pra cima do bicho. Sem nenhuma chance de que o danado chore uma segunda vez. O rebento não, o telefone. E olha que aqui estou me referindo á um telefone fixo hen.  É meio automático, entende? Eu dia uma ligação a ela, o telefone toca, pra mim ediventemente, mas ela atende.Há um ímpeto, um prazer ou algo que não sei o nome ainda que levava essa moça e tantos de nós a cometer tal ato.

Incrível isso. Engana-se quem pensa que os únicos enigmas da vida se resume simplesmente em “de onde viemos, quem somos e pra onde vamos”. Temos a questão do telefone. Mas acho que todos fazemos isso no fundo. O tocar de um telefone simplesmente nos dá vontade de atender, seja lá quem for ou para quem for. Como se fôssemos robôs programados para tal. Basta você passar numa rua e ouvir um telefone público tocar, vais sentir uma leve vontade de atendê-lo. Aí eu estava pensando... Depois de semanas de analises. Essa moca, minha secretária, ela não tinha celular, ou se tinha, não queria ver a cena dela atendendo o bicho. Como diz um bom e velho amigo: Assim como são as criaturas, são as pessoas. Profundo né?

Em resumo, acho que o evento do celular foi a maior sacada, não desta década, mas desde os primórdios de Cristo. Aliás, falando em Cristo, acho ainda que isso tudo tem um pouco a ver com Ele. Existe nas entranhas moleculares do celular algo bem mais relevante que simplesmente atender e receber chamadas. Existe a possibilidade de sermos encontrados, contactados, salvos. E esperançosos seguimos com ele ligado até nosso mais amargo fim. Mantemos em nosso intimo a esperança de que algum filho da mãe daquela nossa agenda nos chame. Nem que seja pra dizer que ligou pro numero errado. Inserimos em nossa agenda nomes como “amor”, ou “doutor sei lá do que” ou ainda de filhos e amantes que não existem, só pra gente atender e dizer “Oi amor, que saudade”. O cara acaba de conhecer uma garota e no dia seguinte o nome dela está lá como “amor” na agenda. O problema é pra lembrar o nome da infeliz depois. Assim como fazem algumas crianças que criam personagens que não existem no mundo real, fazemos com nossa agenda. Como Cristo disse á milênios: Estarei com vocês todos os dias de suas vidas. Vai saber se Ele não se referia a isso. Talvez é isso que o celular nos passa: a idéia de que nossos chefes, amantes, filhos ou talvez Ele nos ligue a qualquer momento e nos tire dessas trevas. Acho que, acho não, tenho certeza de que; depois desse evento só existirá outro que nos completará de fato. O Clone humano. Com celular, é claro. Aí tu vai ver o é fazer mal uso de verdade. Mas aí meu amigo, eu já devo estar ao lado Dele.

Estava vendo um telejornal agora a pouco e vi uma dessas propagandas que tentam parecer noticias. As chamadas matérias pagas, sobre os perigos de um celular explodir na sua cara, ou no seu bolso. A matéria falava do risco que oitenta e cinco milhões de usuários - (isso só no Brasil, e olha que somos o segundo maior país infestado por esta peste) – corremos com o risco eminente. Aí contrataram especialistas em microeletrônica, gurus, o Marcão e o cacete. Então fizeram uma convenção com mil homens pra constatar que: Somos o segundo país e coisa e tal no uso, temos hoje milhares de modelos, que pode explodir se o usuário estiver andando com uma simples moedinha, e ti-ti-ti, ti-ti-ti, ti-ti-ti. A matéria iniciava dando ênfase a possibilidade dele explodir. Depois de um monte de merda dita, acabou-se afirmando que nem a Nasa, nem Marcão ou o Babalorichá Marcinho, filho de Aná, constatou até agora nenhum aparelho ter explodido na cara de ninguém. E que só o que tem explodido de fato é a conta do bicho. Já viu besteira maior? E tem gente que ouve isso até o final, como eu, sem perceberem que isso não passa de uma leviana propaganda do bicho. Assim como faziam com as cocas-colas quando mostravam cenas da guerra do Vietnã ou ainda em Hiroshima. Desculpem, vou ter que interromper. É que a tv agora está mostrando uma matéria, e agora sim, importantíssima de uma discussão entre Inri Cristo e Padre Quevedo. E acho que é sobre celular.

Falar em propaganda. Vocês já prestaram atenção, mas uma atenção especial num detalhe que esses marqueteiros usam pra vender o bicho? Se não, pára um pouco e repare no rosto e principalmente no brilho dos olhos daqueles modelos que vimos em milhões de outdoors espalhados pelo país afora que fazem apologia ao celular. Rapaz, aquilo vai além de um orgasmo. Muito além! Sexo é bosta. Dá-se a impressão de que o cara; depois de viver uma vida ganhando um milhão de vezes um milhão, morre de infarto comendo a Luiza Brunet no seu iate, acaba de chegar no céu, reencontra seus amigos, entes queridos, conquista a paz eterna, é premiado com uma cadeira do lado direito do criador e ainda, com a possibilidade de poder, de lá, falar com a Luiza de vez em quando. Vai ter créditos assim na puta-que-o-pariu.


Basta ir numa loja de celular e ficar do lado de fora, eu fiz isso. Você vai ver esse mesmo brilho nos olhos e sorrisos hilariante de quem acaba de comprar um celular. Quem acaba de comprar um celular não leva ele pra casa embrulhado como quem compra uma tv ou uma maquina de lavar. É amor à primeira vista sempre, sem preliminares. É como ser apresentado a Sheron Stone. Não tem delivery, o cara vê e tem que comer na hora. Conheço gente que vai a loja só pra aprender a mexer com o bichinho. Acabam não levando, mais o tocou, e isso basta. É meio mecânico, o cara sabe como o bicho é, mas não tem jeito, quando compra, ele sai da loja mexendo com a coisa. É que tem que ver os novos incrementos, atualizar agenda, datas, horas, configurar a porra toda. E ele sai atropelando todo mundo. É Deus no céu e o celular na terra. Com o shopping lotado, vai esbarrando nas pessoas, tropeçando em pilastras, subindo, ao invés de descer em escadas-rolantes, entrando em banheiros errados e o olho fixadíssimo naquela coisinha na palma da mão. E olha que to falando de um cara que já teve um. Dá pra imaginar a reação-festa-de-arromba de alguém que nunca teve um? O cara decreta estado de ai-meu-deus e foda-se o mundo a sua volta. Tenho um amigo, aquele que me pediu ajuda as oito da manha naquele domingo. O celular novo que ele comprou demorou uma semana inteira pra se adaptar a ele, e ele, até hoje ainda não se adaptou ao novo aparelho. É que tem gente que trata esse bicho como se ele fosse um bicho de fato. E olha que esse amigo é um puzta nerd que anda conectado e antenado com o mundo moderno, envolvido com internet, leis de Newton, Descartes, Calypso, análise transacional, funk e até... Bom, deixa pra lá. O cara sabe tudo! Mas celular é fóda.

Fóda mesmo foi ficar sem celular. Prometi um pra minha filha. Depois de anos de espera, não pude adiar, tive que mandar o meu pra ela. Disse pra mim mesmo: vou ficar uma semana sem. Amigo! É como sexo. Não tem jeito. Uma semana é o fim do mundo. Eu naufraguei, fui ao inferno e fritei na grelha, conheci o diabo e ele me exigia um celular. Não morri por um verdadeiro milagre e obra de Deus. Estou a 10 dias sem. Ainda não sei o que será de mim. Não sei qual será meu futuro. Não sei mais nada de mim. Sinto que minha vida está se indo. Não sei explicar ao certo. Ta nascendo uns cabelos extras e mais grossos na minha testa e um gosto amargo na boca. Não sei se é impressão, mas tem uns caninos crescendo. Acho que começo a entender o Rangel agora. Minha voz esta mais grossa e repetitiva, não falo coisa com coisa e ando vendo outras.  Preciso de um celular urgente. Agora são 20 dias sem. Já não tenho unhas, elas caem a esmo. Já na durmo. Meu mundo se esvaiu. Sinto-me só, vazio e infeliz. Sem esperança, sem agenda e sem créditos.

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